Há algum tempo li o excelente livro O sentimentalismo, de D. Fernando Cintra. É um livro curtinho, de leitura fácil e cheio de provocações interessantes. Este livro mostra que os sentimentos são algo natural no ser humano, mas que é preciso tê-los sob fino controle. É preciso evitar tanto o excesso quanto a falta deles, de modo que esse bom tempero sentimental seja frutuoso em nosso relacionamento com Deus e com o próximo. Dentre as muitas áreas que o sentimentalismo (a deformação dos sentimentos) afeta está a área religiosa. Resolvi extrair este trecho do livro que mostra muito bem as consequências negativas dessa atitude:
Sentimentalismo e religião
É comum que, numa conversa de amigos, se ouçam frases mais ou menos assim: “O importante é você escolher a religião em que se sinta bem”. Ou então, da parte de uma pessoa que tenha deixado de ser católica, ao explicar o motivo da sua mudança de religião: “Eu ia à missa às vezes, mas aquilo não me dizia nada; até que um dia fui a um centro espírita e me senti tão bem…!”
O que revelam atitudes desse tipo? Mostram que se tende a considerar a opção religiosa como uma questão sentimental. Por isso, no constante pulular de novas crenças e seitas, tende-se a contruí-las sobre bases meramente afetivas: busca ansiosa de consolos, disposições genéricas de amor ao próximo, juras indefinidas de amor à natureza, enlevo à base de músicas envolventes e palavrório adocicado.
Mas o sentimento é essencialmente subjetivo, enquanto a religião é objetiva. A fé trata de questões objetivas que não podem ser consideradas apenas sentimentalmente. Que foi Deus quem me criou é algo objetivo, independente de que eu “sinta” que é assim ou não. Se os anjos existem ou não, é uma questão objetiva, que deve ser encarada independentemente dos meus sentimentos com relação a eles.
A palavra “religião” tem sua origem etimológica relacionada com a ligação do homem com Deus. Nessa ligação, é Deus quem tem a parte mais importante; é Ele quem dita as regras desse relacionamento. As coisas que Ele dispõe são o que são, e não o que nós, pobres criaturas, gostaríamos que fossem.
Todo homem tem o direito de seguir a religião que em consciência, julga verdadeira. É o que se chama “liberdade das consciências”. Ninguém pode impor um credo pela força ou pela violência, mas isso não significa que tanto faça escolher uma como outra, e menos ainda por uma inclinação sentimental. Pelo contrário, é necessário um sério esforço por certificar-se de que a religião que se segue é a verdadeira, por buscar com afinco a segurança de que se está na relação certa com o Deus verdadeiro.
Dentro da própria Igreja Católica, não se podem escolher as verdades de acordo com o gosto próprio. “Concordo com a condenação ao aborto, mas não concordo com o casamento indissolúvel…Gosto do quarto mandamento, mas não gosto do sexto… Acho válido rezar missa pelos defuntos, mas não aceito o dever da missa dominical…”. As verdades de fé – confiadas à guarda e ao magistério da Igreja – foram-nos deixadas integralmente pelo próprio Jesus Cristo, e seria um orgulho enorme julgar-se superior a Ele, a ponto de querer mudar o que Ele estabeleceu.
Não basta, portanto, a aceitação sentimental das verdades reveladas por Deus. É preciso uma aceitação intelectual, que leve a conhecer aquilo em que se crê, a saber o conteúdo da fé que nos foi deixado por Deus e, em consequência, exige a adesão firme a todos e cada um dos seus pontos.
Por isso, é absolutamente necessário estudar seriamente a doutrina católica. Não é suficiente o conhecimento genérico e confuso que vem da educação familiar ou dos sermões da missa dominical. É preciso ter ideias claras e bem estruturadas na cabeça, separando o que faz parte do tesouro doutrinal deixado por Jesus Cristo à sua Igreja – que é divino e imutável – daquilo que são as nossas opiniões pessoais, falíveis e mutáveis. Quando se percebe o peso que uma fé esclarecida pode ter para a vida, então é fácil encontrar tempo e ocasião para cultivá-la.
Referência:
CINTRA, Luiz Fernando. O sentimentalismo. São Paulo: Quadrante, [2007?]. p. 37-39
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Pois bem, essa é uma questão nevrálgica para o povo brasileiro que é culturalmente propenso a este tipo de disposição. Como é difícil para mim, quando saio em missões argumentar com alguém que diz que “se sentiu bem na igreja universal…”. De fato, não podemos ignorar que a religião muitas vezes supre o papel do psicólogo nas crises emocionais do dia-a-dia. Porém, como diz d. Fernando, deve chegar um momento em que você é arremessado do estado de cartarse em que fomos envolvidos. É aí que entra o raciocínio crítico. Você se colocar questões claras: “Por que sigo esta religião?”, “quem é Deus?”, “Por que fui criado?”, etc. E assim caminhamos mais e mais em direção à verdade para a qual fomos destinados.
Muitos, infelizmente vivem e morrem em catarse, estejam ou não em determinada religião. Para estas pessoas a realidade é dura demais para ser encarada de frente. Assim, desenvolvem artifícios para sentirem-se sempre bem. A busca dos prazeres eternos (a começar de agora) já era pregada por Epicuro séculos antes de Cristo, não é estranho que muitos ainda sigam essa doutrina hoje conhecida como “hedonismo”. Dessa maneira formam correm indiscriminadamente atrás de zonas de conforto: no mundo virtual, no sexo desregrado, nas drogas e na própria religião.
Cristo certamente não legou-nos uma Igreja para que fugíssemos dos problemas quotidianos, mas para que pudéssemos seguir seu exemplo: nada fácil aos olhos humanos. Este exemplo passa pela rejeição, pela traição, pela incompreensão, culminando na cruz. Quem quer passar por isso? Quem sabe quem é esse homem e por que ele fez tudo o que fez. Só assim vale a pena seguir o cristianismo. De modo diferente, qualquer religião serve como forma de consolo e afago às necessidades psico-espirituais.
Lembro-me da reportagem do Fantástico do domingo passado que tratava justamente do fenômeno da histeria coletiva. No caso alguns alunos de uma escola em Pernambuco misteriosamente “surtam”. Os médicos não têm explicação fisiológica para o fenômeno, que, analisado por especialistas, realmente atestaram a histeria. Ainda seguindo esses especialistas, a histeria coletiva afeta mais as mulheres: “Elas são mais sugestionáveis e podem se impressionar um pouco mais com o sintoma que a amiga está apresentando”. Muitas vezes a sugestão nos leva a achar que estamos falando em outras línguas, que estamos profetizando, que o demônio está saindo do nosso corpo. A tudo isso ajuda uns tons mais graves no teclado, um bom agitador de feira e sobretudo muita, muita confusão. O que é bom para “descarregar as energias”, depois de um tempo passa a se tornar uma ponte quebrada no nosso relacionamento com Deus. Vêmo-Lo, à distância, mas a ponte defeituosa pode nos impedir de ter um encontro pessoal, desejo mais ardente do Deus verdadeiro.