Persevera no cumprimento exato das obrigações de agora. — Esse trabalho — humilde, monótono, pequeno — é oração plasmada em obras que te preparam para receber a graça do outro trabalho — grande, vasto e profundo — com que estás sonhando.
São Josemaria Escrivá, Fundador do Opus Dei
Texto: Nicholas Farrell
Mais uma vez um país católico ganhou um importante torneio de futebol. Por que os católicos são tão bons em chutar bolas de futebol, mas péssimos em gerir seus países? Seria porque eles são católicos?
No último domingo, em Kiev, a Espanha ganhou a final da Eurocopa, levando para casa a vitória de três grandes competições (Espanha venceu a Eurocopa de 2008 e a Copa do Mundo de 2010).
O país que a Espanha derrotou na final do último domingo, a Itália, também é católica. A Itália venceu as Copas do mundo de 1934 e 1938 e foi medalha de ouro no futebol nas Olimpíadas de Berlin em 1936.
Enquanto isso, tanto a economia da Itália quanto a economia da Espanha, assim como as dos países católicos da eurozona, movem inexoravelmente para o colapso.
Os britânicos protestantes podem até ter inventado o “belo jogo”, mas os católicos tornaram-se muito melhores nele.
Começando por 1930, já houve 19 campeonatos da Copa do mundo, mas somente oito países ganharam. Desses 19, o Brasil venceu cinco vezes, seguido da Itália com quatro vitórias. A Alemanha venceu três vezes apesar de ser um país extremamente bem estruturado economicamente (apesar também de o atual papa ser alemão, apenas um terço deles são católicos). Os católicos Uruguai e Argentina venceram duas vezes; A França venceu uma vez, mas mais da metade dos franceses são católicos. Assim, o único país não-católico que venceu uma Copa do Mundo foi a Inglaterra, em 1966.
Durante a final no último domingo, houve um funéreo silêncio nas ruas desertas de Forlì, uma pequena cidade onde eu vivo, por conta do resultado da derrota da Itália para a Espanha.
Em casa, de frente para a televisão da cozinha, como um típico inglês oprimido em meio a tantos italianos, eu estava secretamente torcendo pelos oponentes da Itália como de praste. Por outro lado, meus cinco filhos italianos, todos nascidos e batizados na Igreja Católica, vibravam pela Itália como se essa fosse a coisa mais normal do mundo a se fazer, assim como sua mãe, minha esposa Carla.
Mas a Itália foi muito bem. Eles derrotaram a Alemanha na semifinal. A Alemanha se recusou a arcar com as dívidas dos países católicos da zona do Euro, além das dívidas da Ortodoxa (quase católica) Grécia. Portanto, a derrota da Alemanha foi comemorada euforicamente por todo o continente.
E a Itália não perdeu na final porque a Espanha era muito melhor, mas porque o triunfo sobre os alemães deixou-os fatalmente cansados e superconfiantes. Mas, pelo menos a Itália perdeu para outro país católico, a Espanha.
Levando em conta que Karl Marx considerava a economia a forca motora da sociedade, Max Weber via a religião como o fator mais importante. Ele argumentou em “A ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, em 1905, que havia uma conexão causal entre o protestantismo, especialmente o calvinismo e o desenvolvimento do capitalismo. Além disso ele explica por que a Revolução Industrial ocorreu justamente num país protestante e não num país católico na Europa.
O protestantismo apossou-se do que Weber chamou “o espírito do capitalismo”; o catolicismo não. Weber dizia que a Igreja Católica era hostil à busca de riquezas enquanto os protestantes deram ênfase ao trabalho pesado e ao sucesso econômico como meios para alcançar a salvação.
Weber dizia que os protestantes, diferentes dos católicos e de outros crentes, ficaram separados da magia. O fruto do seu desencantamento era o capitalismo. Weber definitivamente tinha chegado a um ponto importante.
Peguemos minha esposa como exemplo. Ela é uma exímia católica: acredita em mágicas (milagres) e está sempre tentando me impedir de trabalhar porque “o que mais importa na vida é a família e os filhos”. Dessa forma a salvação não poderia ser alcançada pelo trabalho pesado, mas somente por meio da confissão de seus pecados a um sacerdote e da comunhão do Corpo e Sangue de Cristo na missa.
Então eu digo: “tudo bem, mas o que fazer com a conta de gás, com o seguro do carro, com a hipoteca e todo o resto?” E ela responde: “É tudo irrelevante. Tudo o que você precisa para sobreviver é pão e água”.
Infelizmente, nem Weber nem ninguém, até onde eu sei, escreveu um livro chamado “A Ética Católica e o Espírito do Futebol”.
Eu fiz uma rápida e pesquisa com a pergunta “por que católicos são tão bons em futebol?” Nada. Então eu substitui a palavra “católicos” por “italianos”. A primeira coisa que veio foi um vídeo do YouTube mostrando um grupo de jogadores italianos treinando a trapaça na hora do jogo. Cada vez que o treinador soprava o apito no curto vídeo, todos os jogadores caiam no chão com muito estilo contorcendo-se e gemendo como se vítimas do mais terrível jogo sujo.
Outra explicação que encontrei na internet, escrita por uma mulher, dizia que o futebol na Itália não é um esporte, mas “uma forma de arte” jogado por “crianças abandonadas”, “imbuídas de uma qualidade quase no nível da dança”.
Obviamente o julgamento dessa mulher foi inebriado pela beleza física dos jogadores italianos. Se por um lado essa avaliação se aplica ao time espanhol, ela deixa de lado o principal motivo pelo qual o time italiano é admirado (de um ponto de vista estritamente futebolístico): sua disciplina de ferro, defesa impenetrável e a habilidade de driblar o adversário como lagartixas.
O enorme sucesso dos países católicos no futebol não se deve ao sinal da cruz que eles fazem cada vez que eles correm para dentro de campo ou à sua crença de que Deus – sendo católico – intervém pessoalmente a cada vez que eles jogam para garantir a vitória. Tal explicação só seria plausível quando eles enfrentam times pagãos (?) como a Inglaterra ou o Egito, mas não quando enfrentam outro país católico.
Talvez isso ocorra porque os católicos preferem esportes a trabalho e é aí que eles encontram sua energia e paixão. Assim como Weber escreveu e minha esposa confirma: para os católicos o trabalho é um obstáculo, não um meio para a salvação.
Quando bem jogado, o futebol é um belo jogo, apesar de que como um inglês eu devo admitir que os católicos possuem um senso de beleza muito mais apurado que o de não-católicos como eu. A explosão extraordinária da beleza do Renascimento nunca teriam ocorrido num país não-católico.
Se os países católicos fossem capazes de algum modo de transferir seus segredos no futebol para suas economias, a crise na zona do Euro passaria tão rapidamente como uma chuva de verão.
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Tirando o fato de São José Maria Escrivá ter pregado justamente sobre a santificação por meio do trabalho e, voltando um pouco mais na história, o próprio lema dos beneditinos ser Ora et Labora (reza e trabalha), o autor consegue construir certos links interessantes a partir da análise de Max Weber. De fato é um erro pensar que só os ofícios religiosos são importantes para a salvação do homem. Esse nunca foi o ensinamento da Igreja, que sabe que o homem é multidimensional: reza, estuda, namora, canta, brinca, erra, acerta, etc. No entanto, há sim determinado aspecto na cultura católica que põe os países de matriz católica em desvantagem no âmbito da gestão governamental em relação aos países protestantes. Talvez justamente o que Weber propôs, ou seja, uma aversão à acumulação de bens como não sendo isso essencial.
Por outro lado a ligação dos católicos com o futebol talvez esteja relacionada ao espírito de equipe, à coletividade tão cara a Igreja. Por mais que os protestantes ainda valorizem de certo modo o culto em grupo, há muito é difundida entre os protestantes a ideia da maior importância da fé individual, expressa pela leitura e interpretação individual das Escrituras. E o individualismo é essencial no contexto do capitalismo selvagem. é cada um por si e, por mais contraditório que seja, Deus por todos.
Na minha opinião esse texto é importante para reforçar algumas coisas e desmistificar outras. Primeiro reforçar que realmente há uma afinidade natural da cultura protestante com o capitalismo (não quer dizer que haja entre a cultura católica e o socialismo por contraposição); por último, desmistificar que haja realmente uma oposição entre o catolicismo e o trabalho: isso é uma falácia. Infelizmente o texto não ganha muito respaldo porque nem a Espanha, nem a Itália, ou o mesmo o Brasil são tão católicos como outrora. Os países já apresentam uma diversidade religiosa tão grande que é possível que hoje já vejamos católicos plenamente resolvidos com o acúmulo de riquezas (diferente de apego) pelo convívio com protestantes e protestantes craques no futebol pelo convívio com católicos.