Estive refletindo ultimamente sobre alguns distúrbios de ordem psicológica que afetam grande parte da sociedade atual: depressão, estresse, ansiedade, só para citar alguns exemplos. Os psicólogos e psiquiatras têm cada vez mais dificuldade de lidar com distúrbios desse tipo porque há uma multiplicidade de fatores causadores possíveis. No mais das vezes, porém, o que se esconde por traz disso tudo tem a ver com maturidade, seja ela espiritual, psicológica ou afetiva. Apesar de não ser psicólogo é muito fácil perceber que aumenta o número de “meninões” e “garotonas” na idade adulta.
Pessoas sem maturidade nos âmbitos citados possuem grande dificuldade em assumir responsabilidades, em lidar com situações desafiadoras (sair da rotina), em tomar decisões, em reconhecer autoridades e principalmente em reconhecer erros próprios. Ousadamente eu diria que tudo isso tem origem e, por consequência, desemboca naquela que é a base da sociedade: a família. É a essa instituição que quero chamar atenção, pois enquanto assistimos à aprovação de leis que atacam frontalmente a família, talvez seja oportuno refletirmos um pouco sobre o que há de errado e o que deve ser corrigido.
Proponho aqui expor da forma mais clara possível os tiros (shots) que pretendem assassinar a instituição familiar na sociedade de hoje:
Shot #1: a ideologia de gênero
Em 2000, o Pontifício Conselho para a Família, emitiu um interessante e claríssimo documento chamado “Família, Matrimônio e “Uniões de Fato”. Dentre as diversas denúncias que faz, eu destacaria a seguinte:
Dentro de um processo que se poderia denominar de gradual desestruturação cultural e humana da instituição matrimonial, não deve ser subestimada a difusão de certa ideologia de “gênero” (“gender”). Ser homem ou mulher não estaria determinado fundamentalmente pelo sexo, mas pela cultura. Com isto se atacam as próprias bases da família e das relações interpessoais.
[…]
A ideologia de “gender” encontrou na antropologia individualista do neo-liberalismo radical um ambiente favorável. A reivindicação de um estatuto semelhante, tanto para o matrimônio como para as uniões de fato (inclusive as homossexuais), costuma hoje em dia justificar-se com base em categorias e termos procedentes da ideologia de “gender”. Assim existe uma certa tendência a designar como “família” todo tipo de uniões consensuais, ignorando deste modo a natural inclinação da liberdade humana à doação recíproca e suas características essenciais, que constituem a base desse bem comum da humanidade que é a instituição matrimonial.
Relativizar a constituição natural (para não dizer normal) da família é uma prática que se torna cada vez mais comum nos meios de comunicação, na escola e dentro da própria família. “O que importa é ser feliz” é a grande falácia relativista que parece cessar todo e qualquer questionamento racional acerca dos relacionamentos normalizados pela cultura vigente. Diante de tudo isso devemos combater essa distorção da realidade como fruto de uma ideologia parasita da qual a sociedade tornou-se hospedeira.
Shot #2: o egoísmo
Um grande mote que repito sempre aos casais é: “casamento é doação”. No ato de doar é preciso sair de si mesmo, muitas vezes abdicar de algo, para realizar a satisfação do outro. Hoje em dia as pessoas temem assumir um compromisso como o matrimônio porque só estão com o outro enquanto ele me faz feliz. Não há doação, só auto-satisfação egoísta. É interessante trazer o testemunho da editora do site FamilyScholars.org por ocasião de uma palestra ministrada na Universidad de la Sabana, na Colômbia:
“sempre ouço a mesma pergunta: por que os jovens não se interessam pelo matrimônio? Unions libres (coabitações) estão em crescimento na medida em que os jovens vão casando mais tarde ou nem mesmo chegam a se casar. Vemos uma tendência similar em outras nações. “Os jovens estão dizendo sim à família, mas não ao matrimônio”.
O problema é que para esses jovens só interessa constituir família enquanto aquilo traz satisfação pessoal. É por isso que esses jovens já não casam mais ou os próprios relacionamentos duram pouco: eles não têm esperança numa relação duradoura. Como um reflexo pessoal da sociedade que está em constante mutação, a fidelidade é um laço efêmero que depende apenas das inconstâncias dos conceitos de felicidade que aparecem na capa da revista. O problema de fundo da pouca adesão ao casamento, como dissemos, é, sem dúvida, o egoísmo. Não há fidelidade porque os casais estão pouco dispostos à doação de si.
Shot #3: analfabetismo religioso
Seja na Igreja Católica ou qualquer outra denominação cristã tradicional, é essencial que os conceitos de matrimônio, de fidelidade e principalmente de família estejam bem difundidos entre os fieis. Bento XVI diz muito acertadamente que “o ‘analfabetismo religioso’ é um dos maiores problemas de hoje”. As pessoas que se dizem religiosas desconhecem conceitos básicos como os supracitados. Querem fazer da religião um self-service, um cardápio do qual se escolhe aquilo que convém. Querem casamento, mas não querem “para sempre”; querem família, mas não querem “homem-mulher-crianças”; querem a bênção da Igreja, mas não querem a Igreja se intrometendo em assuntos ditos privados. Não é de se admirar que a família esteja tão ferida nos dias atuais. A importância que ela tinha era dada quando as pessoas eram profundamente religiosas. Como já não são religiosas, as pessoas também não se importam com a família que já não passa de uma convenção (não uma necessidade) social.
Shot #4: a falta de bons exemplos
Após poucos meses de noivado, casam. Conduzem uma vida conjugal no seguimento do Evangelho, ritmada pela missa quotidiana, pela oração pessoal e comunitária, pela confissão frequente, pela participação na vida paroquial. Da sua união nascem nove filhos, quatro dos quais morrem prematuramente. Entre as cinco filhas que sobreviveram, está Teresa, a futura santa, que nasceu em 1873. […] A família Martin educou as suas filhas a tornar-se não só boas cristãs mas também honestas cidadãs. Aos 45 anos Zélia recebe a terrível notícia de que tinha um tumor no seio. Viveu a doença com firme esperança cristã até à morte ocorrida em Agosto de 1877. Com 54 anos, Luís teve que se ocupar sozinho da família.
9 filhos? Como assim? Que loucura, não? Hoje em dia as novelas mostram coisas bem diferentes do exemplo acima: é adolescente grávida abandonada pelo parceiro, a socialite que faz inseminação artificial para ter um menino e uma menina de olhos azuis, a senhora vaidosa que já se casou cinco vezes para quem o que importa é estar bem, etc. O trecho acima faz parte de Luís Martin (1823-1894) e Zélia Guérin (1831-1877), pais de Santa Terezinha de Jesus. Uma coisa que pouco se questiona é até que ponto os bons exemplos são conhecidos pelos nossos familiares. Essa é uma boa medida para confrontar aquele seu parente que concorda com tudo o que acontece na novela das oito.
Shot #5: vocações frustradas
Muitos são os casados que poderiam ter sido religiosos e muitos são os religiosos que poderiam ter se casado. Outros, simplesmente deveriam ter sido professores, outras cozinheiras e por aí vai. É fundamental que em determinado momento da vida o indivíduo se questione o caminho que deve seguir para a vida. Quando a decisão é tomada de forma abrupta muita frustração acompanha esse indivíduo por toda a vida. É aí que voltamos para o que dissemos no início: a depressão, a falta de maturidade, o estresse. Não é estranho que tudo isso seja fator imperativo para o surgimento de famílias desestruturadas. Parece absurdo, mas há milhares e milhares de pessoas que sofrem anos a fio numa condição que começou errada e não tem prognósticos para os anos vindouros. Devemos suscitar uma cultura de questionamento das vocações socialmente prestigiadas (que não devem ser menosprezadas em contraposição) para que as pessoas sintam-se livres para olhar para as suas qualidades pessoais e afinidades antes de tomar uma decisão. Decisões conscientes evitam toda a sorte de vocações impensadas que destroem a família e deformam o rosto da sociedade.
Tenho certeza de que há muitas outras tentativas de assassinato contra a família, mas vejo nessas um rastro de ódio e de brutalidade tão marcantes que merecem ser lembradas.