Nesse último fim de semana eu participei do I Seminário para Jovens Comunicadores aqui em Brasília. Resolvi participar desse seminário principalmente por causa deste blog Sentinela no escuro. Quis aprender com quem possui know how de anos na área da comunicação para que assim eu pudesse contribuir melhor nesse meio.. Vou tentar resumir tudo o que eu vivi. Já adianto que foi algo super enriquecedor e que a minha opinião geral sobre o evento é positiva.

Dom Eduardo Pinheiro e padre Carlos Sávio jogando Kinect durante o seminário
Tudo começou bem…
A primeira coisa que me chamou atenção logo de cara foi a expressiva quantidade de jovens. Mesmo aqueles que possuem pouco tempo de caminhada sabem que o jovem na Igreja, em geral, está mais interessado em participar de “oba-oba”, eventos embalados por muita bateria, coreografias e frases do tipo “Jesus te ama e eu também”. Nada contra, mas essa é a realidade. Na contramão disso tudo, pelo que me informaram, mais de 300 jovens do Brasil inteiro, quase todos leigos atuantes na área de comunicação, ali estavam para ouvir o que a Igreja tinha a lhes ensinar sobre como fazer comunicação católica de alto nível.
A segunda coisa foi a profissionalidade com que os organizadores encararam o evento. Mais uma vez e sem querer reforçar estereótipos, todo mundo sabe que há uma impressão geral de que as coisas organizadas pela Igreja têm sempre que ser de segunda mão, de qualquer jeito. Culpam a falta de recursos, a falta de pessoas qualificadas, os padres, enfim. Tudo para justificar a preguiça e a indiferença pelo primeiro mandamento. Porém esse seminário mostrou que é possível fazer algo profissional também dentro da Igreja: Banners bem elaborados, mochila, squeeze, crachá decente (não era made of cartolina) e wifi liberado (e funcionando!). Outro destaque foi a obediência aos horários, fator primordial para o bom andamento das atividades.
Para amarrar a análise desses dois pontos, eu diria que o mérito disso tudo foi, sem dúvida, da equipe de comunicação “Jovens Conectados”, criada pela CNBB. Eles realmente conseguiram chegar ao jovem do Brasil por meio dos profissionais de alto gabarito que fazem parte do grupo. Espero, sinceramente, que essa equipe permaneça fiel em seus propósitos. Eles têm feito um trabalho fantástico de tradução da linguagem eclesial para a juventude brasileira.
…mas ficou ainda melhor
Em relação à programação propriamente dita, os trabalhos foram iniciados brilhantemente com a lectio divina conduzida pela irmã Rosana Pulga. Eu digo isso primordialmente porque a Palavra de Deus é sempre o pontapé inicial para o trabalho do comunicador. De nada adiantaria eles falarem de técnicas maravilhosas de comunicação, de evangelização pelas redes sociais, sem que os profissionais soubessem antes de tudo como ler bem a Sagrada Escritura. Acho que ficou claro que esse é o norte para o munus communicatio.

Eu e o amigo Leonardo Meira durante o seminário
Logo após tivemos uma videoconferência com Dom Cláudio Maria Celli, presidente do Pont. Conselho para as Comunicações, que estava no Vaticano. A estrutura estava boa e houve poucas falhas. Dom Celli pontuou que os comunicadores “não anunciam um produto, uma filosofia, mas uma pessoa” e que a “raiz da comunicação católica está na amizade com Cristo”. Falando da JMJ 2013 no Rio, dom Celli mencionou que “a maior comunicação que poderemos oferecer para os peregrinos do mundo todo é a alegria, própria do povo brasileiro”. Dom Celli foi na verdade bem pastoral, é como se ele quisesse dar apenas um “oi” para iniciarmos bem os trabalhos do Seminário. No entanto, esse “oi” foi essencial para compreendermos o que o padre Spadaro falou mais a frente, que “as tecnologias estão à serviço da comunhão católica”.
A grande surpresa do seminário
Padre Antonio Spadaro, S.J.: na minha opinião, esse foi o grande nome do evento. Sensato, profundo, espiritual e principalmente, fiel à doutrina da Igreja, padre Spadaro honrou a cada palavra seu santo fundador, Inácio de Loiola (ah, se ele tivesse conhecido seus confrades de Brasília…). Esteve sempre de veste clerical preta (!), conversou abertamente com todos, tirou fotos, fundamentou sua fala em autores renomados e mostrou ampla experiência, já que foi encarregado da direção da segunda revista mais antiga da Europa, “La Civiltà Cattolica”.
Uma contribuição fundamental que esse reverendíssimo padre nos trouxe foi que a noção de que “a internet não é um instrumento, mas um novo ambiente”. Portanto, não é como se eu entrasse e saísse da internet para checar o e-mail e conferir os tweets. Segundo pe. Spadaro, “a nossa vida entra na rede, assim como a rede entra na nossa vida”. Ou seja, chegou a hora de rompermos com a ideia de que existe uma dicotomia entre o espaço real e o espaço virtual.
Outra imagem interessante que o pe. Spadaro nos trouxe foi que não podemos pensar a rede como um instrumento (instrumento de evangelização). A rede, para ele, é um lugar onde não devemos fazer nada além de sermos o que somos sempre. Assim como já não há mais dois espaços (virtual versus real), também não há mais tempo de entrar e sair da internet. Pe. Spadaro explica assim que “o desafio da Igreja hoje já não é mais aprender a usar bem a rede, mas viver bem esse Tempo da Rede”.
Entendendo-nos como um polvo, para o padre Spadaro estendemos tentáculos da nossa presença (parte de nossa vida) por muitos lugares físicos. Similarmente estendemos tentáculos na rede de modo que essa passa a ser apenas mais um lugar de expressão de nosso ser social.
Em outra palestra pe. Spadaro explicou que o homem do século XXI passou por três mudanças fundamentais. A primeira mudança está no modo de buscar Deus. Antes o homem era como uma bússola, buscava o rumo por meios muito primitivos, mas confiáveis e fáceis de utilizar. Em seguida, o homem tornou-se como um radar, de acordo com os sinais que lhe eram emitidos ele seguia em frente rumo ao seu destino final. Por fim, o homem passou a ser como um smartphone, tal qual esses dispositivos dotados de modernos sistemas de push (que atualizam tudo automaticamente), vamos recebemos grandes montantes de informações sem ao menos pedir. O desafio desse homem de hoje é programar o smartphone de modo que ele receba apenas o que é importante.
Padre Spadaro ainda ensinou que, como católicos conectados, não basta enchermos nossas timelines, linhas do tempo (Facebook), etc. com mensagens lindas e imagens de Jesus e Maria. Desse modo apenas contribuímos para o chamado overload de informações que assola esse “homem-smartphone” de hoje. Portanto, ao invés de levar respostas, a internet carece de perguntas certas para que assim as pessoas possam por si só convencerem-se das respostas certas. Afinal, o cristianismo é uma proposta, não uma imposição.
A segunda mudança está na capacidade de escutar. O exemplo dado para explicar essa mudança foi um aplicativo de celular chamado Shazam, que identifica a música/autor que está tocando no player. Para o jesuíta, passamos longos momentos do nosso dia escutando, escutando, escutando músicas, mas quando algo finalmente nos toca, queremos saber quem canta essa música. O Shazam poderia ser uma alusão à Igreja e o nosso papel seria o de tocar as músicas corretas.
Padre Spadaro ainda mencionou que o iPod mudou nossa capacidade de escutar. Antigamente tínhamos o trabalho de pegar um disco, colocá-lo na agulha de um tocador e ouvir uma música especial. Com o iPod e sua enorme capacidade de armazenamento (e intuitividade), fazemos da música o pano de fundo da nossa vida. Nesse sentido a música passa de mensagem específica para decoração de uma eterna festa que produzimos para a nossa vida. O conselho dado foi que “seria necessário resistir à surdez provocada pelo efeito iPod e retomarmos o sentido de ouvir novamente mensagens importantes para a nossa vida”.
Por fim, a terceira mudança está na capacidade de doar. Na internet encontramos tudo de graça. Há filmes, músicas, softwares, tudo disponível como numa bandeja a nos servir quando queremos. Porém, existe uma clara diferença, nem sempre notada entre doação e disponibilização. “Se eu dou algo, dou-o pessoalmente, não disponibilizo”, como quem diz “pega aí o que quiser”. O padre explicou então que “doar não é pegar o que tem, mas receber”.
Mais uma vez, aqui apresenta-se um desafio para o católico conectado: doar invés de apenas disponibilizar. Padre Spadaro diz que “por meio da doação, criamos uma relação”. Dessa forma, não podemos, como cristãos, perder o sentido do doar. Existem muitos na internet disponibilizando coisas, mas o diferencial está em doar, pois sabemos estar lidando com filhos de Deus, únicos, irrepetíveis e amados.
Finalmente e arrematando essas três mudanças pelas quais o homem está passando, para o padre Spadaro, devemos diferenciar conexão de comunhão. Simplesmente estar conectado não significa que eu esteja criando vínculos de comunhão com meus amigos.
Numa outra palestra, padre Spadaro lembrou que “a Igreja sabe que a mensagem não se difunde senão pela partilha”. Ele explicou que o destino do som, da imagem, do vídeo se não houver partilha de vida, é inevitavelmente a extinção. Quem nunca ficou feliz ao receber vários “retweets“? Quem nunca ficou triste, por outro lado, por postar algo no Facebook e ninguém responder? No primeiro caso, a mensagem fez sentido para as pessoas, já a segunda vem na esteira das milhares de mensagens que passam pela vida dessas pessoas diariamente, sem qualquer importância. Os resultados que esperamos dependem do quanto de nós mesmos deixamos como marca nas nossas ações
Para terminar (ele falou muuuuito mais coisa), destaco uma provocação levantada: não buscamos, enquanto Igreja, uma “internet de católicos”, isso não existe. A missão da Igreja na internet é mostrar ao homem como usar bem a internet, não “transformar a internet numa Igreja”. Ele soltou umas frases épicas nesse seminário. Quem quiser saber mais, dê uma olhadinha nos meus últimos tweets ou busquem a hashtag “#JovensComunicadores” no Twitter.
Entre acertos e tropeços
Tivemos também uma excelente palestra da professora doutora Elisabeth Saad, da USP, que tratou sobre as gerações de baby boomers X, Y, Z e C. Falou um pouco de suas características e nos levou a imaginarmos o que temos de cada uma delas. Particularmente, ficou-me a questão: “ok, existem muitas gerações, mas quem as influencia? Qual o papel da Igreja nesse contexto?”. Infelizmente ela ficou pouco tempo e não pudemos esclarecer bem as dúvidas.
Em seguida tivemos a palestra com o padre Gildásio Mendes, um salesiano. Gente, a única coisa que eu tenho a comentar sobre esse padre é, parafraseando a socialite chata Val Machiori, “Helôôu?!”. Sinceramente, foi uma das minhas decepções. Primeiro que é padre cantor de MPB (nada contra MPB), mas começar uma palestra num seminário de comunicação que se propunha sério cantando Milton Nascimento para mim já é de se estranhar. Não é pelo Milton, menos ainda por eu achar que padre deva abitolar-se sob o manto do pietismo, só acho que o tempo foi mal aproveitado e a cantoria desnecessária. Para não me chatear muito, vou resumir a palestra dele numa frase dita: “vocês não têm que converter ninguêm, apenas confirmá-los na fé.”. Puro relativismo irenista típico de padres como Fábio de Melo. Até quando, Senhor?
CNBB Mass Style (Uma missa tipicamente CNBB)

Missa de encerramento no sábado à noite
Bom, como elogiei a produção, gostaria também de fazer uma ressalva (entenda-se crítica construtiva) quanto à missa celebrada. Ora, se desprenderam recursos financeiros para toda a megaprodução do evento como um todo, parece que esses faltaram para a celebração da missa. Eis o cenário aprentado: nada de flores, dois castiçais de paróquia de interior, um pano rendado de casamento dos anos 80 e uma jarra de vidro de suco fazendo as vezes de lavabo. Eu não estou sendo superficial, rigoroso ou farisaico, só acho que a missa, como centro de tudo, deveria ter tudo de melhor. Fora o aspecto ornamental da missa, tratando apenas das vestes litúrgicas, basta pegar o Cerimonial dos Bispos para detectarmos facilmente um show de “abusos” como o fato de ambos os bispos estarem sem mitra, Dom Leonardo estar sem casula, Dom Eduardo estar sem solidéu ou ninguém (?) estar de amito ou cíngulo. Enfim, a impressão que dá é que o interior não se refletiu no exterior, isso presumindo que todos eles realmente amam celebrar a santa missa.
Uma pergunta impertinente?
Hoje, no último dia do evento, por graça de Deus, perguntei o porquê de a CNBB não se pronunciar quando questionada pelas mídias seculares sobre algum escândalo envolvendo a Igreja e lancei em meio a tantos líderes católicos ali presentes a ideia da criação de uma Liga para a defesa dos direitos católicos aos moldes da Catholic League norte-americana. Em sua resposta, a irmã Elide Maria Fogolari, da comissão de comunicação da CNBB disse que a CNBB tem se pronunciado sobre assuntos de grande relevância como o caso da pedofilia, mas que, por outro lado nem sempre vale a pena responder a tudo o que publicam sobre a Igreja. Bom, se ela disse está dito. Cabe a cada um daqui para frente anotar essa resposta e aguardar o próximo escândalo (Que Deus nos livre!).
Concordo que a Igreja deva ser prudente e não cair num revanchismo que nada tem de cristão. No entanto, precisamos, em nosso dia-a-dia, ter base para defendermos a nossa fé. E quem melhor que os nossos pastores para nos darem esses subsídios tão necessários? Se uma pessoa é excomungada, por exemplo, seria dever do bispo explicar o porquê da excomunhão. Não podemos nos esquecer daquele antigo ditado: “se os pais não educam, o mundo educa”. Assim como precisamos de comunicadores que testemunhem o cristianismo no mundo do trabalho, precisamos de pais espirituais que assumam seu papel sem medo e principalmente como pais que não tenham medo de dar bronca, ensinar, levantar a voz e dizer “não” quando preciso. Sinto falta disso…talvez eu tenha mesmo nascido numa época errada.
Enfim, no geral, retomando o que disse no início, foi um seminário extremamente positivo. Para mim esse evento foi uma verdadeira surpresa tendo em conta que a sua maior parte contou com a participação de palestrantes ortodoxos e intelectuais de respeito. Tirando o padre Gildásio, a quem recomendo respeitosamente uma estadia de uns anos em Roma para uma reciclagem, as escolhas foram extremamente satisfatórias do ponto de vista de uma comunicação católica de verdade. Parabenizo os organizadores e quero acima de tudo viver de uma forma diferente nesse ambiente que, como disse o padre Spadaro, não usamos, mas vivemos.

Participantes do Seminário mostrando seus instrumentos tecnológicos
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